quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

A DESCOBERTA DO PERDÃO NA CURA DO CÂNCER



O dia clareava. Eram quase sete horas. Apesar de estar desperta naquela manhã, eu não queria acordar. O sol atravessava a fresta da veneziana e despertou a minha curiosidade para ver o dia. Ao abrir a janela, admirei o lindo raiar de sol que estava fazendo lá fora.

Num dia tão bonito quanto aquele algo muito ruim me esperava. Era o dia de tomar a quimioterapia, para tratar um tumor maligno, descoberto há pouco menos de um mês.

Os sintomas que levaram a procurar o médico e fizeram chegar até a descoberta do câncer não doeu tanto quanto partir para o hospital para tomar os remédios, tão fortes que, conforme relatos e instruções do médico, iriam provocar inúmeros desconfortos.

Não adianta evitar; fiz o que era necessário. Levantei, tomei o meu café e fui para o hospital. Como era próximo de casa, não demorei a chegar. Quando estava na enfermaria, sentada aguardando a enfermeira aprontar a medicação, segundo a prescrição médica, eu pensava: o que estou fazendo aqui, esperando para me envenenar. Não deu para pensar muito, após alguns instantes a enfermeira chegou com a medicação.

Depois de tomar, a sensação era de que nada havia acontecido. Aliviada, sem apresentar sintomas que me impedissem de retornar para casa.

Após algumas horas, os sintomas vieram e com a intensidade temida. O corpo parecia tentar se livrar de “venenos poderosos”. Realmente eles são para matar as células cancerígenas que se instalaram. Além das células tumorais, muitas outras células boas morreriam também.

Naquela primeira noite, em meio aos sintomas da químio, enquanto o corpo repudiava as substâncias do tratamento, conseguia sentir as células boas e ruins morrendo dentro de mim.

Nos dias seguintes foram muitas crises; mas depois de algum tempo elas passaram. Todavia, os sinais no corpo começavam a aparecer. Conforme me submetia a novas sessões de quimioterapia, comecei a perceber que, por uma boa finalidade, a gente se “envenena”.

Identifiquei várias situações como essas, em que os agentes ingeridos não eram os remédios para o câncer, mas sim, os sentimentos nocivos que plantaram algo muito ruim no meu interior. Hoje esses componentes emocionais aparecem com uma identidade completa, somatizada no corpo; nos resultados dos exames, constam o nome e sobrenome: carcinoma . . .

Pensar que esse mal não foi adquirido, mas desenvolvido por mim mesma, é algo que me fez refletir muito a respeito. Por incrível que pareça, o auge da reflexão era durante as crises de vômito. Em meio a todo aquele mau estar dos remédios, eu queria entender o que havia de tão ruim, além do câncer, que exigisse aquela medida tão extrema.

Comecei a comparar aqueles sintomas aos sentimentos de culpa, mágoa e rancor. Observei que havia sido envenenada com esses componentes extremamente nocivos, que foram despertos diante dos acontecimentos traumáticos que vivenciei no passado.

Durante muitos anos alimentei um sentimento de “culpa”. Era um arrependimento pelas escolhas desastrosas e, em outros momentos, sentia raiva de mim mesma, por me sujeitar aos caprichos dos outros, de maneira passiva e sem tomar nenhuma medida, que pusesse fim a uma série de exageros e abusos que os outros faziam. A culpa foi um veneno que eu tomei, sem perceber o mal que ela estava causando.

A “mágoa” foi outra espécie de veneno emocional. Depois de tantas decepções com os outros, que abriram feridas internas, eu próprio me agredia e as perfurava, tornando profunda as desilusões. Hoje reconheço que as pessoas não corresponderam a tudo o que eu depositei nelas. Projetei nas relações a minha completa felicidade e as pessoas não corresponderam à altura. Minha mágoa foi produzida por um sentimento corrosivo meu mesmo, não necessariamente pelo que os outros me causaram.

O “rancor” talvez tenha sido o mais duro e ruim sentimento com o qual me contaminei. Percebi-o numa crise muito forte de sintomas decorrentes da quimioterapia, talvez a pior crise que tive durante todo o tratamento. Achei que não iria suportar a medicação. Foi quando identifiquei o quanto fui rancorosa. Cristalizei esse sentimento que ficou arraigado no meu ser, tornando-me uma pessoa amarga diante da vida. Qualquer um que se aproximava de mim, sentia a minha barreira. O semblante esboçava uma amargura. A energia que eu exalava, criava barreiras que dificultavam as pessoas de se aproximarem de mim.

Com tantos sentimentos nocivos que me contagiaram, o câncer é um reflexo do quanto fui contaminada pelas minhas próprias emoções negativas.

Na medida em que me conscientizava dos fatos desagradáveis do passado que geraram tantos sentimentos ruins, procurava me desvincilhar desses componentes arraigados no meu Ser e notava que os sintomas da quimioterapia foram ficando mais brandos.

Atualmente estou curada do câncer, as sessões de quimioterapia varreram todas as células cancerígenas. Acredito que minha consciência colaborou com esse processo. De qualquer forma, não permito que nenhum sentimento nocivo se instale dentro de mim. Procuro respeitar os limites dos outros; não agravo os episódios ruins; evito sentir mágoa. Fico sempre do meu lado, quando faço escolhas erradas. Em vez de me mortificar pelos erros, busco maneiras de atenuar os reflexos negativos e abraço as novas alternativas.

Não permito que sentimentos repugnantes perdurem no meu interior, gerando rancor, revolta e até o ódio.

Essas atitudes me deixam leve para aproveitar melhor a vida. Ao agir dessa maneira, constatei que tenho exercitado o perdão. Ele remove as impurezas do interior do ser, tornando a vida bela e agradável para ser vivida a todo instante.

 por Valcapelli, 

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